Rádio Café – Aranha
Por Mônica França - 17 de Agosto de 2020
Você voltou ao Rádio Café. Escolha uma mesa, faça um pedido e aprecie um conto estranho como a vida é!
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- Bom apetite!
Estamos de volta com mais um quadro Conte seu conto em seu programa favorito Eu não tinha o que fazer e fui escrever. Nossos queridos ouvintes podem participar com seus contos sobre três temáticas Madness, Memories e Erotics. Hoje teremos o conto Aranha de Mei Mei Lin pelo selo Madness. Ué, isso está certo produção? Não seria o selo Erotics? Ok, vamos ao conto.
Ouvia uma notícia qualquer pela televisão quando notou uma teia de aranha no canto esquerdo superior da sala. Pensou em pegar a vassoura para tirar a teia da parede, contudo sua atenção foi roubada pela voz do noticiário. Nenhuma novidade na república onde vivia, apenas a bagunça e comoção de sempre, pensou. Seus olhos voltaram a fitar a pequena teia que esvoaçava ao sabor de uma brisa passageira. Ia se levantar para varrê-la, entretanto o controle remoto se apossou de sua vontade e algumas horas se passaram saltando de um canal para outro até quase o anoitecer. Já não lembrava da teia depois de uma sessão de filme de terror, seguida de uma sessão de comédia. Arrastou-se até a cama e assim que pousou a cabeça no travesseiro teve o sono dominado por uma aranha tecelã.
O aracnídeo preto com uma caveira vermelha no dorso tecia uma teia descomunal, do tamanho de um estádio de futebol. Contudo, algo mais impressionante acontecia, pois enquanto a aranha tecia a história do mundo se fazia. Como uma mandala sinistra, meio hexagonal e de sessões e repartições preenchida, muitas histórias contava a teia. Narrativas de variadas vidas formavam a trama mística. Repentinamente, tudo se aquietou, a aranha de tecer parou e uma única imagem na teia se formou. Com um grito de terror, uma criatura despertou, o coração descompassado, pois a própria morte testemunhou. Respirava ofegante, com sudorese abundante, matarei aquela aranha, murmurou. Da cama saltou, com firmes passos à sala marchou e com a vassoura em riste contra a teia se lançou. De seu terror nada restou e para a cama, em paz, voltou.
Levantou-se às oito da manhã em ponto e colocou a água para ferver. Em poucos minutos apreciava um café açucarado acompanhado por uma fatia de pão amanteigado. Suspirou ao lembrar-se do sonho que tivera, melhor seria assistir alguma coisa para se distrair, pois seu estômago começara a doer. Jogou-se no sofá e passou a exercitar o dedo no controle e de uma série a outra, pausou somente para almoçar. Anoitecia e a criatura respirava mais aliviada, pois não vira resquícios de teia ou aranha. Foi para a cozinha lavar louça, depois passeou pelas redes sociais e, por fim, voltou para sala. Hoje veria uma animação japonesa, preferencialmente clássica e sem computação gráfica, uma das antigas, pensou. Acabou engatando algumas produções e quando deu por si passava das duas da manhã. Se espreguiçou ainda no sofá e finalmente desligou a televisão. Foi para o quarto e logo adormeceu, apesar de um leve medo vadiar entre seus sentimentos.
Entre dispneias e roncos, uma aranha tecelã visita a criatura. Não era bela, nem tinha formosura, apenas de futuro dispunha. Um futuro, no tecido da teia formado, de mau agouro anunciado. Desta vez, não era a morte do indivíduo o fado marcado, mas o de uma peste a consumir vidas várias de bom grado. Era um filme de terror pela aranha tecido com fervor, a fiandeira esforços não poupava e logo a morte da criatura anunciava. Nada podia fazer além do futuro prever, com rigor sem igual, nada escapava a trama tecidual. Não houve o despertar da criatura assustada, mas seu sono, tão perturbado, de descanso não adiantava. A aranha ainda mais tecia, enquanto não amanhecia e tantas horríveis histórias previa. Na cama, a criatura revirava, mas de jeito algum despertava e quanto mais a aranha tecia, mais o pavor da criatura crescia. Raiou o sol cuja luz o quarto iluminou, partiu a fiandeira cujo terror profundo deixou. Escuras olheiras denunciavam o sono preenchido dos horrores pela criatura vividos.
Sentia uma angústia sem precedente. Um aperto no peito fez a criatura sair com dificuldade da cama. Foi esquentar água para o café açucarado e olhou para o relógio. Mal acreditava que já era meio dia. O que acontecera? – indagava consigo. Foi ao banheiro e ao fitar o espelho grande susto levou. Tinha o rosto cadavérico… fixou bem seu olhar no reflexo a sua frente e podia jurar que a imagem que via a caveira da aranha tecelã refletia. Com um pensamento obcecado, foi para a sala e vasculhou teto e cantos superiores com afinco. Viu somente um arremedo de teia no canto direito e passou a vassoura por ele. Ao ver-se livre das teias, pensou nas aranhas e foi em busca de um inseticida. Espalhou veneno por toda a casa e, por fim, despencou no sofá para aliviar trauma e estresse. O serviço de streaming estava particularmente especial, repleto de estreias maravilhosas e desejadas. Não lembrou de comer, apenas assistiu televisão até não aguentar mais. Ao ir para a cama, a criatura não percebeu que em cima do aparelho de TV caminhava uma minúscula aranha… Mal a criatura fechara os olhos e a tecelã agourenta a visitava.
Três horas da manhã o relógio mostrava e a fiandeira seu presságio pregava. A criatura em desespero agonizava, diante do destino que a aguardava. Não era aquilo um sonho? Por que não acordava? Perguntava… a teia da tecelã mais densa ficava e a vida da criatura da morte se aproximava, mas ainda algum brio possuía e por vencida não se dava. Um grito de guerra incompreensível berrava, enquanto a porta de seu quarto escancarava. Não deixarei aranha alguma vencer, declarava. E na sala, a TV ligada, a insônia dominava. Repentinamente, em meio ao vozerio do filme que passava, pequenas pernas de uma minúscula tecelã, as bordas da TV andava. Logo, a criatura, inconformada, aproximou-se da tela iluminada, caçou a pequena aranha e alvoroçada, um ninho de teias atrás da televisão encontrava. Sem pensar direito, as teias com as próprias mãos destruía, e a pequena aranha da qual a teia ruía, em um gesto de bravura, a mão picava da criatura. Pelo veneno atordoada, o local da picada a criatura observava. Em poucos instantes e com dores lancinantes, via pequenas aranhas saltitantes brotar da ferida aos montantes. Diante de horror tão paralisante, tombou brava criatura agonizante, desterrada na sina pela tecelã narrada. Noticiavam em algum lugar, a morte trágica a vida da criatura roubar. Foi eletrocutada, puderam constatar e em um canto superior qualquer, estava uma fiandeira o destino a fiar.
E esse foi mais um Conte seu conto do selo Madness de Mei Mei Lin no programa Eu não tinha o que fazer e fui escrever. Agradecemos aos nossos queridos ouvintes e até nosso próximo encontro.