Rádio Café – Mais ou menos confissões
Por Mônica França - 30 de Setembro de 2020
Você está mais à vontade em sua cafeteria favorita. Conversa com o barista e faz reflexões sobre os contos que ouve.
-Bom dia! Vai ser o de sempre?
-Não sei, hoje quero algo diferente. O que você sugere?
-Temos uma torta de palmito que harmoniza muito bem com um café americano.
-Humm, acho que vou experimentar.
-Aqui está sua torta e seu café. Vou ligar o rádio. Não está sintonizando. Só ouço chiado. Você não consegue sintonizar a estação em sua casa?
-Não, só ouço o programa quando venho aqui. Será uma rádio paranormal? Veja, chegaram outros clientes.
-Não teremos um conto hoje.
-Ah, quando você estiver livre quero te mostrar algo.
-Claro, virei assim que possível.
-Ah, já terminou sua torta e seu café. Então, o que queria me mostrar?
-Antes disso gostaria de um expresso, por favor.
-Seu expresso. O que é esse caderno?
-Então, eu tenho escrito algumas coisas, pois quero participar do programa. Contudo, meu texto está parecendo mais com uma crônica ou algo do gênero.
-Entendi. Deixe eu ler.
Já faz muito tempo que não sei quem sou ou o quê sou, por isso já fiz terapia duas vezes. Um engano que gosto de praticar uma vez ou outra fingindo uma saída da minha angústia e pessimismo. Afinal, pensamento positivo é a panaceia para todo sofrimento e fracasso humanos. Rir é o melhor remédio, dizem, mas quem sabe, não é mesmo?
Ademais, flagro-me inúmeras vezes rindo de desespero e é ainda pior quando nos damos conta da origem obscura da nossa gargalhada. Tomarmos consciência de nós mesmos não é a melhor experiência da vida, nem é garantia de crescimento espiritual ou maturidade. Deveras é a certeza de mais uma pitada do contraditório e desconfortável dilema de existir. O velho conhecido mal estar da civilização, talvez…
Não sei o que fazer neste momento de reclusão social. Por um lado, algumas narrativas insistem em afirmar a normalidade, outras a anormalidade. Podemos sair melhores e mais fortes disso, será? Estamos realmente nos aproximando uns dos outros? Não que isso de fato importe a mim cujo anseio por uma vida de eremita me habita desde os idos da adolescência. Eu apenas continuo a mesma criatura procrastinadora e impostora de antes com um apoio mais tangível da pandemia ao meu redor.
Entre um pensamento catastrófico e outro, sei da necessidade opressora de garantir a minha sobrevivência; veja bem, a minha, não a do outro. Mal consigo escrever o suficiente para produzir conteúdo para minha empresa, desenvolver algum jogo digital nem pensar. Entretanto, em minhas fantasias mais ousadas e proativas, faço sucesso como ninguém e ainda contribuo filantropicamente com a sociedade. Só me resta rir de tamanha sandice e questionar a origem de tais ideias. De qualquer forma, escrevi este texto ao mesmo tempo um pouco insosso e levemente angustiado. Somente uma confissão de meias verdades feita ao travesseiro antes de dormir reverberando o retalho de experiências e desejos mal elaborados que sou.
Enfim, é o que tem para hoje.
-Então…
-Realmente parece uma crônica. Continue tentando, enquanto isso nossa Rádio Café estará torcendo por você.
-Eu aprecio isso. Espero que o rádio funcione da próxima vez. Até mais.