Rádio Café – O fantasma da Vila parte 2
Por Mônica França - 14 de Outubro de 2020
Nós, da Rádio Café, estamos encantados com sua visita. Por favor, escolha um lugar e nós te atenderemos em breve.
-Bom dia. Bom te ver mais uma vez.
-Também estou feliz em voltar aqui.
-Será o de sempre?
-Claro!
-Aqui está seu expresso e seu pão de queijo. Vou ligar o rádio.
-Obrigado!
Estamos de volta com mais um Eu não tinha o que fazer e fui escrever. Contamos com a participação de nossos ouvintes no quadro Conte seu conto em um de nossos selos temáticos Madness, Memories, Erotics ou Horror. Hoje teremos a participação de Mei Lin Mei ( deve ser a parte dois, rsrsrs) com seu conto O fantasma da Vila parte 2 pelo selo Horror. Vamos a mais um Conte seu conto.
Uma mulher de uns trinta anos vinha em minha direção de um jeito assustador. Essa era a única lembrança que eu tinha do pesadelo. Ainda era quatro da manhã, mas eu estava agitada o suficiente para não conseguir mais dormir. Conforme amanhecia, a mulher do meu sonho ficava irreconhecível, contudo, sua presença inacessível me consumia.
Estava a caminho do trabalho em Santo André quando notei uma presença cuja materialidade corpórea eu não alcançava com meus olhos. A rua do escritório de vendas online onde realizo a função de marketing é uma área residencial e tranquila. Há árvores em ambas calçadas, uma praça com rosas, azaleias e bancos bem cuidados no fim da rua onde costumo almoçar apreciando as crianças brincarem. A maioria das casas possui jardim assim como o escritório. A meio caminho da entrada do serviço senti um calafrio e lancei um olhar por sobre o ombro e não vi viva alma. Não era uma situação incomum caminhar sozinha pelas manhãs. Mesmo assim, um estado de alerta me obrigou a observar o ambiente com cautela.
Nada indicava a presença de outra pessoa na rua além de mim. Apressei os passos rumo ao escritório. Com meu dedo prestes a tocar a campainha, um calafrio mais agudo me atingiu e eu me apoiei no portão para conter o tremor que se apossou de meu corpo. Respirei algumas vezes para me recompor e antes de tocar a campainha lancei um olhar atrás de mim. O salgueiro da casa em frente ao escritório estava enegrecido e sacudia seus galhos em cipó como se o vento o assolasse. Deixei meu dedo cair sobre a campainha o mais rápido possível e mantive a sanidade tanto quanto pude. O porteiro eletrônico abriu o portão e quando me dei conta estava no banheiro lavando o rosto. Suspirei, não sei se de alívio ou medo, e fui para minha mesa após cumprimentar a recepcionista. O advento inexplicável da manhã foi dragado pelas emergências laborais. Ao fim do expediente, a recepcionista e eu caminhamos juntas pela rua como de costume. Foi um alívio a presença corpórea de uma pessoa com quem trocava uma conversa despretensiosa.
Joguei-me no sofá quando cheguei em casa. Tirei o sapato, a calça e liguei a televisão. Por alguma razão desconhecida, o cansaço me dominou e eu adormeci em poucos minutos. Despertei horas depois com taquicardia e ensopada de suor. Levei alguns instantes para compreender o que estava acontecendo. Uma angústia obscura oprimia meu peito, meus pensamentos e minhas emoções. Fui tomar um banho morno para me acalmar e jantei logo a seguir. Estava ansiosa e deambulava pela casa como se o incognoscível me alcançasse e nada houvesse a fazer. Sintonizei um radinho à pilha em uma estação de música clássica e me deitei na cama. Embaixo do edredom, abracei minhas pernas prestando atenção aos sons orquestrais preenchendo o ambiente. Um gemido assombroso ecoou pela casa e me fez acordar em desespero. O rádio tocava músicas de uma estação diferente. A adrenalina me colocou em um estado de alerta cujo resultado foi encarar uma silhueta estampada na janela do quarto. Sem certeza do que vi, saltei da cama e fui em direção à janela. Puxei a cortina, contudo, não pude deixar de ver a impressão de uma mão marcando território no vidro.
E terminamos mais um Conte seu conto. Agradecemos a participação de Mei Lin Mei e aguardamos a continuação de sua história. E esse foi o Eu não tinha o que fazer e fui escrever de hoje. Até nosso próximo encontro, queridos ouvintes e escritores.
-Já vai embora?
-Sim. Sinto-me inspirado para trabalhar o meu conto.
-Ótimo, quem sabe daqui um tempo seu conto não é lido no programa.
-Conto com isso! Até breve.
-Até! Tenha uma boa semana.