Rádio Café – Minha compulsão
Por Mônica França - 10 de Novembro de 2020
Há quanto tempo. Bem-vindo à Rádio Café novamente. Escolha uma mesa e logo te atenderei.
-Bom dia! Há quanto tempo não nos faz uma visita.
-Estive ocupado.
-Entendo. Hoje temos um lote especial de café Blue Mountain. Gostaria de provar acompanhado de uma fatia de torta de frango?
-Claro, vou aceitar sua sugestão.
-Aqui está seu pedido. Vou ligar o rádio.
Estamos de volta com mais um Eu não tinha o que fazer e fui escrever. Contamos com a participação de nossos ouvintes no quadro Conte seu conto em um de nossos selos temáticos Madness, Memories, Erotics ou Horror. Hoje teremos a estreia de um novo tema com a participação de Mei Mei e seu conto Minha compulsão pelo novo selo Fantasy. Estamos ansiosos para saber mais sobre esse novo tema, então vamos a mais um Conte seu conto.
Lembro-me quando fui dormir há alguns anos e recebi a visita de uma espécie de fantasma inesperado e inoportuno para me ensinar uma lição. Já passava da meia-noite e meu corpo cansado da maratona multiplayer online jogou-se na cama sem cerimônia. Logo adormeci e flagrei-me em um mundo onírico similar a um jogo. Claro, isso eu sei hoje, mas enquanto sonhava não diferenciava muito meu sonho de um jogo, o que tornava a experiência bastante real. Talvez estivesse, naquela ocasião, em um tipo de realidade virtual. Vai saber, né? Enfim…
Vi-me em um mundo onde os trabalhos domésticos eram os mais valorizados. Uma guilda de aventureiros que matavam monstros ganhava menos que uma guilda de limpeza domiciliar e pública. Como a grande aventureira que me considero, empunhei a espada e fui para as dungeons caçar os monstros que tanto inflamavam meu sangue combativo. Passadas algumas semanas, o quarto da pensão onde eu morava estava possuído por uma forma de monstro desconhecida por mim.
No meio da noite, sob a luz do luar filtrada pela vidraça da janela, ergui a minha espada contra o monstro disforme. Não conhecia a criatura nem suas habilidades desafiadoras. Três golpes certeiros contra ela e tudo que fiz foi esparramar pedaços de seu corpo pelo chão. Cada parte originava nova criatura, menor que a original, porém mais veloz e voraz. Tentei pisotear tal monstruosidade e somente a fiz se multiplicar novamente. Aos poucos as criaturas dominavam meu quarto e eu nada podia fazer. Minha respiração curta e difícil, associada à minha visão turva, indicava meu fim. Impotente, desfaleci.
Estava na cama quando despertei. Mal tinha recuperado a memória de minha batalha anterior, fui visitada por uma empregada da guilda de limpeza. Ela foi chamada pela dona da pensão para limpar meu quarto após me encontrar à mercê das criaturas do pó. A guerreira da limpeza me explicou sobre as diferenças entre os monstros das dungeons e os monstros das casas e das cidades em geral. Ao confirmar meu entendimento sobre as circunstâncias, ela puxou a conta sobre os serviços. Meu coração parou de bater depois de ver o valor da minha despesa. Por fim, acordei sobressaltada no mundo real.
Visitei esse mundo tão característico mais algumas vezes em meus sonhos. Insisti em ser uma aventureira, acabando em condições similares a primeira visita. Uma noite, por uma razão qualquer, decidi ser uma limpadora de casas. Acumulei conhecimento e dinheiro trabalhando para a guilda de limpeza. Contudo, ainda sou uma aventureira e provavelmente sempre serei. As dungeons e seus monstros são minha escolha preferida. Já no mundo real, para evitar criaturas de pó e outras anomalias da falta de limpeza, encarno a trabalhadora da limpeza de modo compulsivo e contínuo como se minha vida dependesse disso. E depende, nos dois mundos.
E esta foi a estreia do novo selo Fantasy em nosso quadro Conte seu conto. Agradecemos a participação de Mei Mei e até nosso próximo encontro em mais um Eu não tinha o que fazer e fui escrever.
-Deseja mais alguma bebida?
-Não, obrigado. O que você achou desse novo selo?
-É interessante, mas no final tudo na ficção não é fantasia?
-É, vai saber, né?